quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Testemunho sobre a semana de voluntariado em Fátima

Cheguei a Fátima no dia um de Agosto, pronta para uma experiência diferente, é verdade, mas não para a medida da diferença que fui ali encontrar, a qual me era completamente estranha, e para a qual eu não estava de modo algum preparada.
Ao chegar perguntaram-me quais eram as minhas expectativas, se é que as tinha. Eu respondi que as minhas expectativas passavam por dar aos outros, dar desinteressadamente, genuinamente, sem esperar nada em troca. Por mais vulgar que me pudessem parecer estes meus objectivos eles eram para mim essenciais, porque dar assim é muito difícil, há em nós um mecanismo secreto que funciona em modo piloto-automático que fica sempre à espera de um “obrigado”, um “Deus lhe pague”, ou mais que não seja de um sorriso. Mas depressa percebi que ali as coisas funcionavam de maneira diferente; primeiro foi o choque inicial de quem passa o ano inteiro a mexer em livros: o choque dos corpos deformados e sem nexo, os sons, os cheiros. Foi preciso pensar que a adaptação era possível, que aquilo eram só barreiras físicas porque o essencial que havia para descobrir sobre aquelas pessoas estava no interior, para lá dos gritos, das babas e do corpo desconexo.
Com o andar dos dias fui descobrindo que havia um longo caminho a percorrer com aqueles meninos, não por eles mas por mim, era a mim e não a eles que me faltavam as estruturas mentais para os compreender, era eu quem estava mal, porque não havia dentro de mim nada capaz de ser trabalhado para chegar à única linguagem que aquelas pessoas conseguem perceber: a linguagem do amor. Não entendem por palavras, por gestos é difícil, mas entendem melhor que qualquer um de nós quem é que gosta deles e quem não gosta, quem está ali por desporto e quem está porque só assim vê a sua vida preenchida.
Confesso que me senti despida ali, vivemos um dia-a-dia com várias camadas em cima de nós, como uma cebola, são camadas que nos protegem dos outros, o nosso orgulho, a nossa desconfiança, o nosso intelecto, mas elas são uma faca de dois gumes, porque nos afastam do essencial, impedem que os outros nos conheçam tal como somos. Em Fátima foi necessário ir despindo essas camadas, uma a uma, lenta e esforçadamente.
É claro que em dez dias não se podem querer milagres, porque a língua que ali se fala é complicada, exigente, mas dessa experiência retive que a diferença não tem nenhuma medida certa, e contesto até se a diferença existe mesmo, porque o essencial está na camada mais funda de cada um de nós, e essa é sempre igual!

Escrito por: Margarida Sapateiro

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