quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Universalismo vs Relativismo

Decorrente de um trabalho voluntário de investigação que fiz, venho aqui apresentar um tema para todos os leitores interessados na matéria, mesmo para os que não gostam de direito acho que este tema se torna interessante. O tema em questão é a problemática dos direitos humanos, mais propriamente as teses universalistas e relativistas.
Começo com uma breve introdução geral sobre a origem dos direitos humanos, pois acho que é imprescindível para depois se debater as teses.
Os Direitos Humanos tiveram a sua origem no Ocidente, foram um produto da Europa moderna, do humanismo cosmopolita, individualista, que rompeu com as velhas tradições. O homem deixou de ser um simples membro de uma classe ou grupo social, afirmando-se como um indivíduo único e irrepetível, tendo direitos naturais inerentes á natureza humana. Os direitos naturais passaram a ser direitos individuais, independentes e passaram a ter um carácter universal. São vários os exemplos de direito positivo, que demonstram o avanço dos direitos do homem, nomeadamente a Bill of Rights de 1869 em Inglaterra, a declaração de Independência dos E.U.A. em 1776. Estas duas declarações já continham diversas liberdades, mas foi a declaração francesa dos direitos do homem e do cidadão de 1789 em que os direitos humanos são ainda mais patentes, dando-se mais prevalência aos direitos individuais.
As duas grandes guerras mundiais obrigariam a fixar novos mecanismos de tutela dos direitos humanos, a partir daqui não ficaria só a cargo dos Estados a sua tutela, mas também acima destes, tendo os Estados um compromisso perante a comunidade internacional. O que veio dar corpo a este pensamento foi a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada por Resolução da A.G. da ONU em 1948.
A grande expansão geográfica dos direitos humanos nas últimas décadas suscitou imensos debates acerca do tema, surgindo desses debates duas teses concretas, a tese relativista e a tese universalista.
Para os cultores da tese relativista, os direitos humanos sendo obra do Ocidente, só aí é que devem ser aplicados, pois foi a forma encontrada pelo Ocidente de prestar dignidade á pessoa humana, mas esta, ainda que sendo um valor universal conhece muitas formas de expressão. Depende muito com a inserção na sociedade, consoante a cultura, não existindo um modelo único, nem melhor. Para os relativistas, os teóricos dos direitos humanos incorreram numa pretensão impensável, que é o de tentar impor um modelo único ao mundo inteiro, pois, os membros de uma cultura ou civilização só estão habilitados a criticar a sua própria cultura e não outra qualquer alheia.
Para os teóricos da tese universalista o relativismo não passa de uma tese totalmente irresponsável. Para estes a inexistência de critérios morais absolutos, faz com que aja um vazio ético, de anarquia, e assim obriga-nos a pactuar com o terror, e não nos podemos insurgir contra práticas contrárias ao valores elementares de justiça, e ainda abrimos espaço a aproveitamentos políticos de tiranos. A unidade do género humano sobrepõe-se assim, á diversidade de culturas existentes, pois existe uma identidade humana universal. O facto de os direitos humanos terem sido obra do Ocidente nada obsta á sua aplicação, pois foi a melhor forma de tutela encontrada para a pessoa humana.
Depois de projectar as duas teorias passo á minha opinião pessoal. Confesso que variei muito, á primeira vista a minha opinião passava por apoiar a tese relativista, mas depois de muito discernir sobre este tema acabei por apoiar uma tese intermédia, que é a conciliação entre as duas, que muitos teóricos, hoje em dia, estão a desenvolver. É certo que os argumentos utilizados pelos relativistas de que a civilização Ocidental deve respeitar as outras culturas e que estas também são capazes de fazer o seus próprios direitos humanos é verdade. Mas não posso de maneira alguma ser inteiramente relativista (que é, de referir, a opinião da autora do livro de que eu tirei mais informações, "Os Direitos do Homem á escala das civilizações" de Patrícia Jerónimo) pois desde sempre houve aproveitamentos políticos de tiranos que, tendo como desculpa a sua própria cultura cometeram muitos actos que desrespeitaram os princípios mais elementares de justiça, que para mim esses sim são universais. Por isso acredito no diálogo inter-cultural, e a existência de um conjunto de valores "trans-culturais", tendo sempre como ponto assente que a dignidade humana é tutelada da mesma forma.

2 comentários:

mv disse...

A tese para a qual mais me inclino é a relativista, pura e dura.
Como fica bem patente no post, esta é uma discussão fértil em opiniões, de tal modo, que pouco consenso existe.
Na minha opinião, (e estas são como as cerejas, átrás de uma vem sempre outra) deve-se olhar para a questão do ponto de vista da evolução social.
Ora, todas as sociedades partiram originalmente do mesmo ponto, onde se andava de pele de urso a tapar as vergonhas e a caçar viados à paulada. Existem porém várias outras teorias que explicam o porque dos diferentes ritmos de evolução do Homem, a que mais me satisfaz é a do clima, que diz que quanto mais duras são as condições de vida num sitio, mais o engenho se aguçao e o cérbero se desenvolve, daí que o ocidente europeu seja considerado o centro de evolução mundial, em contraste com sitios do planeta cujo o clima é mais favorável, logo menos evoluído.
Bem, filosofias à parte, eu penso que devido aos diferentes estados evolutivos do Ser Humano, não podem ser aplicadas as mesmas regras a todas as sociedades. Todas elas têm, sem dúvida alguma, o seu valor, valor este incapaz de ser avaliado. Ora se os direitos do Homem foram inventados por europeus, para europeus (quem diz europeus, diz claramente ocidentais em geral) apenas devem ser aplicados a quem na história sentiu a sua necessidade.
Eu acredito que o caminho evolutivo dos Homens se faz gradualmente, sem imposições nem mentes messiânicas que apontem o caminho correcto, pois o caminho correcto só se encontra depois de palmilhar todos os caminhos errados.

Cristiano Dias disse...

Desde já, um Saudável Olá e um Agradecimento por novos temas de debate, fortes, intensos.

Direitos Humanos. Um tema deveras interessante. Intemporal. Por um lado, toda a gente fala deles e não sabe o que são verdadeiramente; por outro lado, são violados, espezinhados e alvos de aquilo a que chamo uma "eterna cuspidela da hipocrisia".

Bom, no que toca às teses apresentadas revelo-me um defensor acérrimo da teoria universalista, contudo, numa vertente um pouco moderada. Se quisermos simplificar: um universalismo temperado de ideologias relativistas em stricto sensu. Passo a explicar.
Em primeiro lugar, se é verdade que não se pode aplicar um mesmo sistema a tudo e a todos, algo que é inegável, pois até seria contra-natura uma regra, um valor, valer o mesmo para todos (quando o grau de importância que as coisas têm devem-se à conotação maior ou menor que nós lhe damos); contudo, é no mínimo “escandaloso” o que diversas sociedades (leia-se: culturas) fazem aos seu intervenientes, aos seus sujeitos, aos seus filhos. Concretizando: como é possível as mais altas instâncias(ONU) defenderem acerrimamente uma coisa (leia-se:direito à vida, à integridade física) e membros dessas próprias instancias violarem repetidamente/ continuamente essas regras? Será possível num mundo onde prolifera a tecnologia e os feitos, o dinheiro e o poder, que continuem a acontecer casos como os que vemos repetidamente estampados nos jornais? Falo especificamente do sistema penal nos países do terceiro mundo e não só…

Em segundo lugar, há dias li uma coisa no jornal em que fiquei um pouco chocado, era algo do género: “mãe arranca dedo mindinho do filho, por ele andar a roubar, e amputa-o”. Só há uma reacção possível perante isto: Vergonha. É neste contexto que critico a teoria relativista. Compreendo que em teoria seja agradável cada um colher o que semeou. Mas faz parte da classe humana deixar que se repitam casos como este e aqueles onde se apedreja, se viola, se enforca, se enterra viva, se agride mulheres, porque destaparam a cabeça, porque tiveram uma relação sexual antes do casamento, porque tiveram curiosidade de procurar a vida? É racional permitir coisas destas e qualificar como “cultura de cada um”? À séculos atrás diria que sim, hoje recuso-me. Hoje as leis existentes na Nigéria, Etiópia e noutros países africanos e asiáticos são no mínimo deselegantes com a classe humana…

Em terceiro lugar, defender a relatividade torna-se à luz do direito penal mundial algo insustentável. No Ocidente, predomina um conceito de sobrevivência, por vezes, um pouco macia admito. No Oriente, vence o inqualificável. É verdade que existem medidas que são um pouco vergonhosas no Ocidente: nos USA existe em alguns locais a pena de morte e por um lado temos o direito à vida como um das chaves da sua existência e fundação, mas adiante.

Existe algo que é preciso frisar. Parece-me que o relativismo é uma tese que tem vindo a perder apoiantes, se é que já não é uma minoria. Primeiro, porque a evolução dá-nos sinais de uma crescente preocupação com a autoridade, ditadura, violência gratuita, em certas sociedades do globo, onde são entendidas como forma de vida. Segundo, numa época de globalização, a questão dos direitos humanos é algo que também não se afasta dessa ideia. Muito por culpa dos media. Contudo,em terceiro lugar, o comodismo alimenta-a.

Em suma, se o Universalismo não significasse uma verdadeira evolução, não estaríamos nós a viver num regime de escravatura global, como à séculos? Sim eu sei, continua a proliferar uma escravatura ilegal, mas é apenas e só um “mercado paralelo”, um “nicho”.

Contudo, apesar de eu ter a esperança de uma tomada de consciência global, como já referi acima, ainda são muitas as pessoas que defendem o “gritar apenas na sua própria casa”, se tal não fosse assim as situações trágicas que já referi já tinham acabado. Mas, não é o que acontece, existe quem não se interesse e actue, existe quem se interesse, critique, mas não actue e existe aqueles, a minoria, que se interessa, que critica, que actua. Porém, é uma minoria dentro do universalismo que não chega para acabar com tudo o que há de podre. Vivemos num século de mudança, mas transportamos algo do passado: comodismo.

Bem, já me alarguei mais do que devia… empolguei-me um pouco… desculpa lá o tamanho disto, divaguei um pouco demais, por vezes, fui para além do tema (danos colaterais) mas ainda ficou tanto por dizer….lol

Para rematar cito aqui um grande pensamento de Bertold Bretch, sobre o nosso comodismo e indiferença:
"Primeiro levaram os comunistas,Mas eu não me importei.Porque não era nada comigo.
Em seguida levaram alguns operários,
Mas a mim não me afectou
Porque eu não sou operário.
Depois prenderam os sindicalistas,
Mas eu não me incomodei
Porque nunca fui sindicalista.
Logo a seguir chegou a vez
De alguns padres,
mas como
Nunca fui religioso,
também não liguei.
Agora levaram-me a mim
E quando percebi,
Já era tarde."

Um Sorriso e um Abraço!
Até à próxima.